28 de novembro de 2013

Experimentação animal e desmoralização pública da ciência: um conselho para as novas gerações

   Desde a primeira invasão do Instituto Royal por “defensores de animais” em outubro, resultando na depredação de seus laboratórios, eu tenho juntado muitas informações e relatos de pessoas não cientistas sobre a questão “experimentação animal”. Tenho acompanhado a forma que a mídia vem relatando os casos e, assombrado com a grande distorção da ciência que está sendo feita na sociedade, eu resolvi escrever esse texto. Mas antes disso, é preciso deixar claro que estou apenas expressando a minha opinião e não defendendo qualquer conduta ou ocasião. O que abordo nesse texto é o assunto de experimentação científica em animais com finalidades biomédicas e não cosméticas. Não sou a favor do teste de cosméticos em animais, mas não abordarei esse aspecto aqui. Esse texto também nada tem a ver com o ocorrido no caso do Instituto Royal, não estou defendendo qualquer instituição, e sim a ciência, de forma pura e simples.

   A primeira pergunta que eu acho que todas as pessoas deveriam se fazer antes de sair por aí satanizando a pesquisa científica séria é “porque a ciência usa animais em testes de laboratório?”. A resposta é simples: porque não há outra opção, gostemos ou não disso! Quando a ciência está desenvolvendo algum medicamento novo, por exemplo, todas as interações químicas entre esse medicamento e células isoladas são estudadas até o seu limite, mas após isso é preciso ir adiante e estudar as interações químicas do medicamento com o metabolismo de algum animal que possa gerar resultados comparáveis ao que aconteceria no organismo humano. Por fim, testes são feitos em humanos. Aliás, apenas como observação, todos os remédios que os “defensores de animais” usam para curar o sofrimento de seus amados animais, em algum momento foram testados em animais. Mas a questão continua. Após passar por anos e até décadas de pesquisa laboratorial, para que uma instituição brasileira possa fazer experimentos científicos em animais, sejam ratos, coelhos, cachorros ou macacos, ela terá que passar por uma rigorosa avaliação de uma comissão de ética no uso de animais (CEUA), que só permitirá a experimentação caso todos os protocolos, incluindo o compromisso de evitar o sofrimento animal, sejam criteriosamente seguidos. Ou seja, a coisa não é feita de forma aleatória, sem regras ou sem comprometimento ético e moral. Há uma legislação e há órgãos que se preocupam com isso. Logo, em caso de dúvida, não é invadindo um laboratório que a questão será resolvida, é buscando os meios legais. E acredite, eles funcionam!

   A segunda pergunta, e essa sou eu que faço, é: você conhece algum cientista? Aliás, por trás desse título midiático de cientista está uma gama gigantesca de profissionais de diferentes áreas como Química, Física e, logicamente, a Biologia. Especificamente nesse caso da experimentação animal, os cientistas envolvidos são majoritariamente biólogos, não por acaso, minha área de atuação. Os cientistas são pessoas comuns, e como tal, diversamente complexas. Mas nesses meus quase 10 anos de convívio dentro do universo científico acadêmico nunca conheci um biólogo se quer que eu possa classificar como ‘cruel com animais’. Mesmo aqueles que trabalham com experimentação em animais. Ao contrário, a grande maioria é composta por pessoas amáveis, profissionais incansavelmente dedicados à sua causa; e apenas como complemento, muitos deles tem vários bichos de estimação, e os tratam com profundo carinho e respeito. Logo, na minha cabeça, é inconcebível pensar na ideia de um profissional da ciência provocar dor, sofrimento ou qualquer outra crueldade com um animal e ser indiferente a isso. E isso me remete a terceira pergunta.

   O que seria o real sofrimento de um animal usado em experimentos científicos? De acordo com os relatos de pessoas não cientistas que li por aí, o primeiro deles é o confinamento. Tentarei esclarecer. Os animais usados em laboratórios possuem gerações inteiras reproduzidas e criadas especialmente para viverem em laboratórios, até os cachorros. Eles nunca tiveram outra vida, e, portanto, não sabem como é o mundo fora dali. Pesquisas comportamentais indicam que eles se sentem confortáveis nessa situação, simplesmente porque aquele é seu lugar comum. Traçando um paralelo, o sequestro de animais de laboratório pode ser visto como a mesma coisa que soltar no centro de São Paulo uma criança indígena que passou sua vida inteira em uma única e minúscula aldeia no Amapá. Isso sim é cruel. Outra opinião que li é que “os animais sofrem com os medicamentos”. Pode até ser, mas acredite, seu sofrimento é minimizado ao máximo, e quando não há sucesso, o animal então é eutanasiado.

   Ao contrário do que a maior parte das pessoas pensa, não há dualismo de opiniões sobre o uso de animais em experimentos científicos, pelo menos não na ciência. Todo cientista que se preza e possua o mínimo de conhecimento reconhece que para que a sociedade progrida são necessários testes desse tipo. Isso é uma forma de trazer bem-estar para nós, humanos, e os outros animais desse planeta. Mas infelizmente isso não tem sido visto assim. As pessoas que se dizem “protetoras de animais” e que cometem a repugnante atitude de invadir uma instituição de pesquisa para “libertar” os animais é, em minha singela opinião, uma sociopata. Poderia até considerar como ingenuidade, mas não no mundo globalizado e de fácil acesso a informação como o que vivemos hoje. As pessoas que invadiram o Instituto Royal, ou as que tentaram invadir tantas outras instituições no Brasil, podem estar prejudicando décadas de pesquisas que tem como objetivo a cura e o fim do sofrimento de milhões de pessoas (e animais) de infinitas gerações.

   E há outra questão grave questão: a desmoralização do cientista. Afinal de contas, todo esse burburinho gerou um ruído enorme que resultou numa espécie de imagem fantasiosa do cientista como um louco personagem de filme de terror, fazendo experiências para disseminar o mal. O impacto disso sobre as novas gerações pode ser devastador, criando preconceito e antipatia de crianças (ou adultos pouco esclarecidos) contra a ciência. Resultado? Um desestímulo para que novos cientistas sejam formados, e uma perda intelectual para o futuro.

   Aliás, é bom avisar. Não acredite em tudo que você vê na internet. Muitas das fotos que mostram coelhinhos e cachorrinhos mutilados ou em cenas fortes e realmente crueis, não são resultantes de experimentos biomédicos, como diz a legenda. Alguns outras são editadas digitalmente para parecerem mais chocantes. Acredite, você está sendo enganado. A ciência vem trabalhando duro, mesmo com toda a desvalorização que possui na sociedade moderna, para tornar o mundo em que vivemos em um lugar melhor para se viver, humanos e todas as outras espécies, em comunhão. Os animais que fazem parte dessa histórias são heróis, ajudam a salvar vidas, mas se você ainda continua achando os experimentos biomédicos em animais um absurdo e vai lutar contra isso, só digo uma coisa: boa sorte para seus filhos!


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Um comentário:

  1. Ótimo texto! Esclarecedor. Estou cursando biomedicina e comecei recentemente o contato com animais em laboratório. As perguntas mencionadas são as que me faço costantemente, chegando sempre à mesma conclusão que você, Roberto.

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