18 de outubro de 2013

A caça de subsistência no Brasil que não precisa da subsistência de caça

   Juliano Ceni é um homem simples que mora no interior do Maranhão. Gosta de reggae, possui uma fala mansa e um semblante calmo, mas tem um “hobby” criminoso que jamais seria revelado se não fosse a internet. Juliano é caçador e criou o seu próprio canal de vídeo no youtube, onde posta dicas para caçar animais silvestres. Em seus vídeos, Juliano já apresentou um tururim (Crypturellus soui) que acabara de matar, aparece de tocaia em um jirau para caçar uma paca (Cuniculus paca), que acabou na panela. Em outros vídeos ele ensina a fazer ceva para cutia, veado e cateto, sempre portando alguma de suas armas, ele também ensina a fazer armadilhas e a caçar com cachorros. Juliano aparenta ser um caçador experiente e é o retrato vivo de um brasileiro do interior típico.

   A caça de subsistência é um problema para a conservação da natureza subestimado no Brasil, embora seja globalmente reconhecido como uma das maiores ameaçadas à biodiversidade. No centro do alvo dos caçadores estão os mamíferos e aves de médio e grande porte, que naturalmente apresentam densidades populacionais mais baixas e mais suscetíveis à extinção local, o que de fato vem ocorrendo em várias regiões do Brasil. No início da década de 1990, o pesquisador estadunidense Kent Redford fez estimativas sobre o efeito da caça de subsistência sobre a biomassa de vertebrados em áreas de floresta tropical na América do Sul. Segundo os resultados dele, uma pressão de caça moderada já é suficiente para reduzir a densidade demográfica de mamíferos (não primatas) em mais de 80%, e essa redução pode chegar a 93% em locais com caça intensa. A perda de primatas é ainda mais drástica, sofrendo reduções populacionais de até 95% com pressões de caça moderadas, e ocorrendo extinções locais de muitas espécies quando a caça é mais intensa. Com as aves, o quadro também é crítico, havendo reduções populacionais entre 70 e 95%, dependendo da intensidade de caça. A perspectivas ruins não param por aí. Em um importante trabalho científico publicado em 2000, o proeminente biólogo paraense Carlos Peres constatou que a biomassa de vertebrados está fortemente relacionada com a pressão de caça, sendo os mamíferos de médio e grande porte os mais afetados, principalmente ungulados (porcos e veados), roedores caviomorfos (paca e cutia) e grandes macacos.

   Voltando ao nosso modelo: Juliano não me parece um homem ingênuo, e certamente ele tem consciência que está cometendo alguns crimes. Os primeiros são a posse e o porte ilegal de arma de fogo (art. 12 e 14 da Lei 10.826/03), e logicamente os crimes ambientais, já que a caça de animais silvestres é totalmente proibida no Brasil (Lei 9.605/98). Mas mesmo assim, Juliano não se sentiu intimidado em divulgar suas atividades ilegais, e mesmo não aparentando ser um bandido, ele não apresenta qualquer tipo de embaraço com o fato de estar cometendo um crime. Por quê? A resposta é simples. A caça no Brasil não é coibida, não é vista como um crime ambiental maior e suas consequências sobre a biodiversidade não são divulgadas. Os estudos científicos sobre esse tema são escassos e os próprios biólogos brasileiros dão pouca atenção ao tema. Sendo assim, é bem lógico o porquê das políticas públicas ambientais não elevarem o combate à caça como uma de suas bandeiras de atuação. Juliano tem certeza de impunidade!

   Em algumas (e raras) comunidades, especialmente na Amazônia, a caça é de fato uma prática de subsistência, sendo uma das poucas fontes de proteína para populações em condições de miséria e de isolamento urbano. Mas isso é uma exceção. No Brasil, a caça é maciçamente praticada por homens como o Juliano, que tem a caça como um hábito e sentem algum prazer mórbido e sombrio em matar, mesmo sem uma necessidade alimentar eminente. Juliano tem algumas armas, tem uma câmera de filmar, uma motocicleta, acesso a internet e certamente gastaria menos dinheiro indo ao mercadinho mais próximo de sua residência. Mas como ele mesmo relata em um de seus vídeos de caça “isso aqui é bom demais”. Isso, na verdade, é falta de educação!


   Todos os anos cerca de 23,5 milhões de animais são mortos por caça só na Amazônia. A caça de subsistência, que na realidade é praticada por pessoas que não dependem da caça para subsistir, é um grave problema ambiental no Brasil que está levando populações ao declínio e interações ecológicas ao colapso em diversas escalas. A raiz do problema está na falta de educação. Os Julianos do Brasil não foram instruídos, não tiveram acesso à informação e estão apenas seguindo os mesmos passos ébrios que sua cultura vem dando a muitas gerações. Parte do problema seria resolvido com políticas públicas sérias que aumentassem a fiscalização e atuassem de forma firme sobre aqueles que cometem esses crimes. Mas uma resolução definitiva para os problemas da caça só é possível com educação ambiental. Mas enquanto isso, vamos assistir o recado do Juliano pra onça...


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REFERÊNCIAS


6 comentários:

  1. Boa tarde. Vcs fala de caçador que acaba com bichos e os pescadores de redes que acaba com os peixe, e ainda o governo ajuda com um salário durante 4 mês, ainda tem os que estão acabando com as matas do nosso país, e ninguém vê isso será porque é dinheiro porque quem tem dinheiro não acontece nada, aqui é Brasil só sobra para o lado mais fraco???????

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    1. Isso que você disse é verdade, Edinilson. A caça de animais silvestres indiscriminada e sem regulamentação é um problema ambiental, assim como o desmatamento feito pelo agronegócio. Se você procurar nesse mesmo blog, encontrará uma série de textos onde eu ataco desmatadores poderosos e políticos que apoiam a exploração ambiental irresponsável.

      Contudo, um problema maior não anula um problema menor.

      Obrigado pelo comentário.

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    2. Roberto leonan. Vdd o que vc falou ai, eu fui no pará no ano passado cara é de dado lá eles estão acabando com as matas tudo,, lá tinha uma fazenda só de mata derrubada era 150 alqueiros, mata virgem, cadê as autoridades no meio ambiente, Abraço

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    3. Grandes desmatamentos são feitos por empresários poderosos, muitos deles são políticos, inclusive. Pra essas pessoas não existe lei. As autoridades simplesmente não conseguem pegá-los porque eles são protegidos politicamente.

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  2. Boa tarde. Vcs fala de caçador que acaba com bichos e os pescadores de redes que acaba com os peixe, e ainda o governo ajuda com um salário durante 4 mês, ainda tem os que estão acabando com as matas do nosso país, e ninguém vê isso será porque é dinheiro porque quem tem dinheiro não acontece nada, aqui é Brasil só sobra para o lado mais fraco???????

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  3. Tem que colocar o lula pra matar um bicho ou um pássaro pra vê se ele vai se preso pelo menos assim pra ele se preso, porque o tanto que ele já robou e não acontece nada com ele é brincadeira

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