7 de maio de 2012

Guerra entre dois mundos: biodiversidade, legislação e interesses políticos em jogo.



Essa semana eu vi duas importantes opiniões de pessoas que não creem na hipótese de mudanças climáticas acentuada pela ação humana. A primeira foi a entrevista no Programa do Jô com climatologista Ricardo Augusto Felicio, professor da USP. A segunda foi a postagem do jornalista Reinaldo Azevedo em seu blog pessoal. Cá entre nós, eles não estão errados em manterem-se cautelosos quanto as atuais discussões sobre o aquecimento global. Inclusive, a própria entrevista do Prof. Ricardo trouxe muitas informações interessantes e que me estimularam a ir estudar mais sobre o assunto. Contudo, os dois deixaram de aparar algumas arestas em suas explanações, o que pode gerar um ruído tão perigoso e infundado quanto o próprio ecologismo xiita.

Assistindo a entrevista do prof. Ricardo ficou notável que suas ideias são bem embasadas e razoáveis, porém, como a maior parte dos climatologistas, ele se apega apenas a conceitos físicos e não biológicos. Não importa se há ou não um fenômeno climático de aquecimento ou resfriamento planetário, realmente isso é pouco palpável. O problema real que estamos enfrentando é a perda de biodiversidade. Retrucando o surreal exemplo dele, pode ser que a total retirada da Amazônia resulte em sua regeneração em 20 anos, contudo, as espécies, suas interações ecológicas e processos evolutivos perdidos não podem ser restaurados da forma original, e certamente isso terá uma aplicação na dinâmica dos recursos naturais e consequentemente, em como poderemos utilizá-los no futuro.

O texto de Reinaldo Azevedo já começa de uma forma absurda. Intitulado “FIM DA FARSA! Guia espiritual da turma do “aquecimento global”confessa: “ERA ALARMISMO!” Leia, Dilma, antes de se submeter à patrulha no casodo Código Florestal!”, o texto desse jornalista é basicamente concentrado em desmoralizar a imagem do climatologista e ambientalista James Lovelock, já falei sobre ele aqui nesse blog. Ok, não importa a opinião pessoal do Reinaldo Azevedo sobre mudanças climáticas ou sobre o Lovelock. A minha pergunta para ele é: O que o aquecimento global tem a ver com o Código Florestal Brasileiro?

Do mesmo jeito que os supostos ecologistas alarmistas usaram esse discurso para criar uma onda de conservação radical, agora essa contra-revolução do desenvolvimentismo está utilizando a mesma estratégia para justificar qualquer ação exploradora ambiental. Mudanças no Código Florestal brasileiro não tem absolutamente nada a ver com qualquer projeção ambiental global, mas pode ter implicações sérias na degradação do solo, perda de recursos hídricos, produção de alimentos e consecutivamente na qualidade de vida em níveis regionais. Embora os desenvolvimentistas aparentemente não se interessem nisso, considerando serem apenas impactos locais que em nada afetam o planeta, atualmente temos uma população inchada e ocupando praticamente todas as zonas terrestres do planeta e a soma dessas ações é que poderá criar problemas em nível global. Aliás, a ecologia moderna já começa a questionar se exemplos pontuais, como o famigerado caso da Ilha de Páscoa demonstrado por Jared Diamond, não podem estar em vias de acontecer em escalas pouco maiores, especialmente no sudeste asiático, África e Oceania. Os exemplos de colapso ambiental que temos atualmente não se deram por grandes mudanças, ao contrário, foram resultantes de superexploração dos recursos naturais locais, resultando em perda massiva da biodiversidade, e é para isso que serve o conjunto de leis que visam proteger o ambiente, incluindo o Código Florestal.

Não sou entusiasta das projeções malthusianas caóticas sobre o fim de nossa civilização, mas adotei a ideia de que a qualidade de vida pode realmente ficar pior por conta de pequenos colapsos ambientais regionais, e é à isso que eu realmente dou mais atenção. No mais, assim como em ambientalistas radicais, acho a postura dos adeptos da contra-revolução ambiental um pouco perigosa. Entendo que eles não estejam defendendo a antropização do mundo, mas pode ser muito mal interpretado e acabar gerando ruídos desnecessários. Mas em um mundo tão dinâmico, onde informações são armas, pelo sim e pelo não, conservação da natureza não faz mal a ninguém!

Um comentário:

  1. Beto, achei teus comentários muito pertinentes. Eu sou da escola do prof. Simões, paleoclimatologista e glaciologista da UFRGs e que é totalmente contrário às ideias do cara da USP. Porém, como bem salientastes e enquanto bióloga, os parâmetros físicos nem sempre estão de acordo com as mudanças biológicas.
    Não sei o quão relevante é, mas quando eu era pequena era tradição irmos coletar marcela na manhã de páscoa (em abril) e era muito, muito frio. Os campos cobertos de geada e cheios de flores de marcela. Uns 10 anos atrás, resolvemos repetir or programa da nossa infância e além de calor, qual a surpresa: não haviam mais flores de marcela...

    Em termos de escala geológica, o aquecimento ou refriamento global não importam muito. A Terra passou por momentos muito mais críticos, com as grandes extinções em massa e recuperou a biodiversidade. Problemas no clima atual afetariam as populações atuais, incluindo-nos nela e afetando nosso bem-estar. Aí reside o perigo, e não na baboseira pseudo-intelectual de salvem a Terra...

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