Desde a primeira invasão do Instituto Royal por “defensores de animais”
em outubro, resultando na depredação de seus laboratórios, eu tenho juntado
muitas informações e relatos de pessoas não cientistas sobre a questão “experimentação
animal”. Tenho acompanhado a forma que a mídia vem relatando os casos e,
assombrado com a grande distorção da ciência que está sendo feita na sociedade,
eu resolvi escrever esse texto. Mas antes disso, é preciso deixar claro que estou
apenas expressando a minha opinião e não defendendo qualquer conduta ou ocasião.
O que abordo nesse texto é o assunto de experimentação
científica em animais com finalidades biomédicas e não cosméticas. Não sou
a favor do teste de cosméticos em animais, mas não abordarei esse aspecto aqui.
Esse texto também nada tem a ver com o ocorrido no caso do Instituto Royal, não
estou defendendo qualquer instituição, e sim a ciência, de forma pura e
simples.
A primeira pergunta que eu acho que todas as pessoas deveriam se fazer
antes de sair por aí satanizando a pesquisa científica séria é “porque a
ciência usa animais em testes de laboratório?”. A resposta é simples: porque
não há outra opção, gostemos ou não disso! Quando a ciência está desenvolvendo
algum medicamento novo, por exemplo, todas as interações químicas entre esse medicamento e
células isoladas são estudadas até o seu limite, mas após isso é preciso ir
adiante e estudar as interações químicas do medicamento com o metabolismo de
algum animal que possa gerar resultados comparáveis ao que aconteceria no
organismo humano. Por fim, testes são feitos em humanos. Aliás, apenas como
observação, todos os remédios que os “defensores de animais” usam para curar o
sofrimento de seus amados animais, em algum momento foram testados em animais. Mas
a questão continua. Após passar por anos e até décadas de pesquisa laboratorial,
para que uma instituição brasileira possa fazer experimentos científicos em
animais, sejam ratos, coelhos, cachorros ou macacos, ela terá que passar por
uma rigorosa avaliação de uma comissão de ética no uso de animais (CEUA), que
só permitirá a experimentação caso todos os protocolos, incluindo o compromisso
de evitar o sofrimento animal, sejam criteriosamente seguidos. Ou seja, a coisa
não é feita de forma aleatória, sem regras ou sem comprometimento ético e
moral. Há uma legislação e há órgãos que se preocupam com isso. Logo, em caso
de dúvida, não é invadindo um laboratório que a questão será resolvida, é
buscando os meios legais. E acredite, eles funcionam!
A segunda pergunta, e essa sou eu que faço, é: você conhece algum
cientista? Aliás, por trás desse título midiático de cientista está uma gama
gigantesca de profissionais de diferentes áreas como Química, Física e, logicamente,
a Biologia. Especificamente nesse caso da experimentação animal, os cientistas
envolvidos são majoritariamente biólogos, não por acaso, minha área de atuação.
Os cientistas são pessoas comuns, e como tal, diversamente complexas. Mas
nesses meus quase 10 anos de convívio dentro do universo científico acadêmico nunca
conheci um biólogo se quer que eu possa classificar como ‘cruel com animais’.
Mesmo aqueles que trabalham com experimentação em animais. Ao contrário, a
grande maioria é composta por pessoas amáveis, profissionais incansavelmente
dedicados à sua causa; e apenas como complemento, muitos deles tem vários
bichos de estimação, e os tratam com profundo carinho e respeito. Logo, na
minha cabeça, é inconcebível pensar na ideia de um profissional da ciência
provocar dor, sofrimento ou qualquer outra crueldade com um animal e ser indiferente a isso. E isso me
remete a terceira pergunta.
O que seria o real sofrimento de um animal usado em experimentos
científicos? De acordo com os relatos de pessoas não cientistas que li por aí,
o primeiro deles é o confinamento. Tentarei esclarecer. Os animais usados em
laboratórios possuem gerações inteiras reproduzidas e criadas especialmente
para viverem em laboratórios, até os cachorros. Eles nunca tiveram outra vida,
e, portanto, não sabem como é o mundo fora dali. Pesquisas comportamentais
indicam que eles se sentem confortáveis nessa situação, simplesmente porque
aquele é seu lugar comum. Traçando um paralelo, o sequestro de animais de
laboratório pode ser visto como a mesma coisa que soltar no centro de São Paulo
uma criança indígena que passou sua vida inteira em uma única e minúscula
aldeia no Amapá. Isso sim é cruel. Outra opinião que li é que “os animais
sofrem com os medicamentos”. Pode até ser, mas acredite, seu sofrimento é
minimizado ao máximo, e quando não há sucesso, o animal então é eutanasiado.
Ao contrário do que a maior parte das pessoas pensa, não há dualismo de
opiniões sobre o uso de animais em experimentos científicos, pelo menos não na
ciência. Todo cientista que se preza e possua o mínimo de conhecimento
reconhece que para que a sociedade progrida são necessários testes desse tipo.
Isso é uma forma de trazer bem-estar para nós, humanos, e os outros animais
desse planeta. Mas infelizmente isso não tem sido visto assim. As pessoas que
se dizem “protetoras de animais” e que cometem a repugnante atitude de invadir uma
instituição de pesquisa para “libertar” os animais é, em minha singela opinião,
uma sociopata. Poderia até considerar como ingenuidade, mas não no mundo globalizado
e de fácil acesso a informação como o que vivemos hoje. As pessoas que
invadiram o Instituto Royal, ou as que tentaram invadir tantas outras
instituições no Brasil, podem estar prejudicando décadas de pesquisas que tem
como objetivo a cura e o fim do sofrimento de milhões de pessoas (e animais) de infinitas
gerações.
E há outra questão grave questão: a desmoralização do cientista.
Afinal de contas, todo esse burburinho gerou um ruído enorme que resultou numa
espécie de imagem fantasiosa do cientista como um louco personagem de filme de
terror, fazendo experiências para disseminar o mal. O impacto disso sobre as
novas gerações pode ser devastador, criando preconceito e antipatia de
crianças (ou adultos pouco esclarecidos) contra a ciência. Resultado? Um
desestímulo para que novos cientistas sejam formados, e uma perda intelectual
para o futuro.
Aliás, é bom avisar. Não acredite em tudo que você vê na internet. Muitas das fotos que mostram coelhinhos e cachorrinhos mutilados ou em cenas fortes e realmente crueis, não são resultantes de experimentos biomédicos, como diz a legenda. Alguns outras são editadas digitalmente para parecerem mais chocantes. Acredite, você está sendo enganado. A ciência vem trabalhando duro, mesmo com toda a desvalorização que
possui na sociedade moderna, para tornar o mundo em que vivemos em um lugar
melhor para se viver, humanos e todas as outras espécies, em comunhão. Os
animais que fazem parte dessa histórias são heróis, ajudam a salvar vidas, mas
se você ainda continua achando os experimentos biomédicos em animais um
absurdo e vai lutar contra isso, só digo uma coisa: boa sorte para seus filhos!
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Ótimo texto! Esclarecedor. Estou cursando biomedicina e comecei recentemente o contato com animais em laboratório. As perguntas mencionadas são as que me faço costantemente, chegando sempre à mesma conclusão que você, Roberto.
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